2018/19

 


Perdi as contas de quantas vezes você me culpou pelo distanciamento. 

Da minha parte, eu não conseguia explicar, mas inevitavelmente era tudo explícito. 

Algo aconteceu. 


Me veio agora uma memória de 2012 (da qual eu fiz questão de registrar) dizendo a mesma coisa…

Algo aconteceu. 


E eu não sei se isso é um poder, uma mágica, um dom ou um infortúnio.

Mas a verdade é que mesmo sem saber, a gente sabe que algo aconteceu. 


Você sempre me culpou pelo distanciamento. 

Você sempre me acusou de não tentar o suficiente. 

Mas se meu corpo sabe de algo que meu racional não sabe… A culpa é minha?


O tempo passou, e essa noite fria me mostrou com clareza… 

Uma retrospectiva forte, porém muito aberta. 


Eu não errei.


Quando tudo começou? 

Meados de 2018/19.


E você lembra de algo que você tenha feito que iniciou o distanciamento? 


Eu só soube anos depois…

Mas agora tudo faz sentido. 


Teu erro cortou a conexão profunda que tínhamos e dali pra cá… Não tem como retomar. 

Meu corpo não deixa. 


Por mais que eu trabalhe meu racional, não há nada que eu consiga fazer para reativar a conexão corporal de outrora. 


Teu erro cortou esse elo. 

E em todos esses anos você me culpou. 


Vou deitar agora livre dessa culpa.

Eu não errei. 


Teu erro me afastou de ti. 

E não sou eu que vou lidar com essa consequência! 

21:21

 


Costumávamos contar as horas

Inevitavelmente

E compartilhar a sincronicidade

Do nosso amor.


Costumávamos conversar o dia todo

Independente da distância

Mais de mil quilômetros 

Ou a 5 minutos de distância.


Costumávamos compartilhar tudo

Uma foto estranha de um momento

Um pensamento não assimilado 

Um prato da refeição.


Costumávamos conversar por horas

Rir de tudo

Fazer planos

Imaginar viagens 

Uma vida onde para nós, 

O fim nunca pareceu uma possibilidade.


E agora.

Compartilhamos sincronicidades? 

Conversamos o suficiente?

Compartilhamos nossos pensamentos?

Nossos sentimentos? Nossos sonhos?

Rimos? Fazemos planos? 


Imaginamos um fim. 

Ou estamos perto de vivê-lo.

Beleza

 



Viver de arte não é viver na inspiração 

É viver na tempestade que as emoções trazem

E por não conseguir assimilar sozinho

O sentimento vira arte.


Um produto da dor

Da luta

Da lágrima 

Do sofrimento indigerível.


E aí 

As pessoas olham e dizem: 

“Que belo!”


A beleza que dói

Que arde 

Que dilacera.


Beleza?

A beleza precisa doer no outro para ser bela?


Mas o poeta é assim.

Transforma a dor em arte.

Matin

 


No horizonte ao longe

Nasce a Aurora

A cama é quente

Não quero sair

Não quero acordar.

É custoso dormir

Quando durmo, quero permanecer.

No sonhos há possibilidades infinitas

Que surgem de circunstâncias que não são as atuais.


O sol brilha

Nem sempre quero me expor a ele

A manhã se ergue.

Seu toque gelado promove um certo conforto

Porém eu acordo. 

Não sei se quero acordar.


Não há nada que eu queira fazer

A manhã segue

E se consome.

Penso em arrumar tudo

Só para não te ouvir reclamar.

Mas já não me identifico com as reclamações.

Me deixo de lado. 


A manhã me deixa

O sol brilha

O coração bate

Meu olhar não tem o brilho

Meu corpo não tem a força

No meu íntimo não resta a vontade.


O que resta

 


O que será que resta entre nós?

Não consigo pensar no que resta, sem pensar no que antes foi.


Despeço-me lentamente

Derreto juntamente com as lágrimas

que a gravidade se encarrega de levar para baixo.

Descarrego a catarse incansavelmente 

porque não há como deixar de sentir.


Questiono-me:

Até quando sentirei essas dores?

Pois quando penso que não aguento mais o sofrimento

Milhares de pedras se voltam contra mim

E me mostram que, apesar de tudo isso, sou forte.

Forte o suficiente para aguentar.


Mas até quando?

E o que é que nos mantém?

Qual é o elo que, ainda que por um fio, ainda existe?


O que é que ainda resta?

Veraz




Não se pode substituir um amor por outro

Tampouco, forjar o mesmo amor em outro alguém.

O amor dura o tempo que tem que durar 

E cada amor é único.


Projetar o amor de outrora em outro alguém 

É frustrar-se 

Espedaçar-se 

Minguar-se. 


É injusto. 

Não se pode exigir de alguém o amor que não mais tens.

Não se pode implantar memórias do não vivido.

Não se pode cobrar um jeito de ser

Um jeito de responder

Um jeito de viver

Um jeito de permanecer. 


O amor é mutável

Moldável, transmutável. 

As experiências que se vive

Modelam o amor, que é perfeito

Nas imperfeições que vós tendes juntos.


Exigir sentir o mesmo amor por outro alguém

É dilacelar-se aos poucos.

É mutilar-se.


Na sombria dor da falta 

Entristecer-se não é a solução.

Basta ser grato ao tempo

E, de novo, abrir o coração. 

Lucidez

 



As vezes fica claro todo esse plano holográfico

São centésimos de segundos na lucidez, 

Mas já dá para perceber

Que o que percebemos

Nada é. 


Ser só

Ou ser um ser só?

Eis a questão.


Como ser sozinho

Sabendo que somos todos um.

Como ser este um

Se estamos todos sozinhos?


São centésimos de segundos de lucidez

E já dá para nos ver de fora

Mas quanto mais dentro, mais fora.



Talvez


 

E eu…

Talvez não tenha falado o suficiente de amor.

Talvez não tenha escrito o quanto poderia ter escrito.

Talvez não tenha expressado tanto quanto deveria.


Talvez eu não tenha olhado para ti 

O tanto que eu gostaria que tivesse me olhado.

Talvez eu não tenha olhado para as suas dores

Como olhaste para as minhas.


Talvez eu tenha me comunicado demais

E você de menos.


Talvez…


Talvez em um segundo tudo tenha ido por água abaixo.

Talvez a ponte tenha caído.

O mundo tenha virado.

Talvez não tenha conserto.


Ou talvez…

Talvez possamos brindar com as cicatrizes das ruínas.

Como as belíssimas esculturas gregas

Que mesmo em pedaços

Ficam em pé

Gloriosas.


Talvez não seja o fim.

Só uma nova história.

Chama

 




Eu lembro que te falei a uns anos atrás que eu era feliz

E eu lembro exatamente porquê eu me sentia assim.


Era tudo leve, fluido, calmo.

Eu nunca me preocupei

Nunca pensei que precisasse.


Entre as tempestades, tu eras meu porto seguro

Nos dias frios, seu corpo era meu cobertor

Quando os dias se tornavam cinzas,

Teu sorriso e teus olhos verdes me devolviam a cor.


Eu não me importava com a chuva

Porque enquanto ela lavava a minha alma

Eu escorria em seus braços.


E nas alegrias

Eu só queria sorrir contigo

No teu abraço apertado

Risadas de doer a barriga

Sonhos, anseios, desejos… A vida!


E você me disse:

“Você ama a vida!”

E eu disse:

“Eu amo amar!”


Acontece que tudo aquilo era algo que só existia na minha perspectiva

E meu erro foi achar que estávamos com o mesmo ponto de vista.

Desconsiderei que na linha desse horizonte existem milhares de pontos de fuga.


Eu só não imaginava que eu precisaria fugir.


A chama ainda está acesa.

Mas ela não irradia mais a sua luz.